“Animai-vos, povo Bahiense, que está por chegar o tempo em que seremos todos iguais”¹: relações étnico-raciais no espaço escolar.

COMENTÁRIO/FICHAMENTO DO ARTIGO: MIRANDA, Eduardo Oliveira; SILVA, Hellen M. S. “Animai-vos, povo Bahiense, que está por chegar o tempo em que seremos todos iguais”¹: relações étnico-raciais no espaço escolar. Cadernos Imbondeiro. João Pessoa, v.2, n.1, 2012.

Laíse Almeida Teles

O artigo apresenta uma espécie de relato sobre experiências vividas no distrito de Bonfim de Feira, durante o período que um professor lecionou em escola que tinha como público alvo pessoas remanescentes de quilombo. Acredito que sejam experiências vivenciadas pelo professor Eduardo Miranda, visto que, não há especificações se a experiência foi compartilhada com a coautora, Hellen Silva.  Apresenta marcas recebidas em sua educação que implicaram no seu modo de ser e reconhecer-se em seu grupo social.

Seu principal questionamento gira em torno do déficit na formação de educadores em relação a como inserir em sua prática pedagógica as abordagens de grande relevância social que vão de encontro com a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, claro, respeitando a lei 10639/03 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. E claro, também é discutido a necessidade de mudança nos currículos das diversas graduações de licenciatura.

Os autores falam também sobre a importância de trabalhar com narrativas e biografia no processo de formação docente, destacando a diferença entre vivência e existência, a primeiras por se converter em experiência e a segunda por ser memória. As narrativas as quais os autores se remetem são as de experiências vividas com estudantes afrodescendentes, agricultores, em maioria mulheres que possuíam comportamento agressivo e que não se adaptaram aos professores anteriores. O que foi notado pelo “experienciador”, é que as práticas pedagógicas dos professores anteriores não estavam adequadas àqueles educandos, ao contexto em estavam inseridos e as relações sociais, históricas e culturais. Diante deste quadro repensou a sua prática, porém não salienta se chegou a tentar trabalhar com a metodologia engessada que os outros professores já vinham praticando há algum tempo, para depois perceber a necessidade de transformação em sua pratica. Aponta que na tentativa de reconfigurar as relações que estavam sendo vivenciadas na escola, optou por resgatar a identidade histórico-social de seus alunos através da valorização da cultura afro-brasileira.

Os autores apresentam três aspectos relevantes pós-narrativas: 1. o que aprenderam; 2. Em qual contexto; e 3. Como aprenderam. A partir desses pontos dissertam sobre o engessamento da educação, por fazer outros acreditarem que a educação é capaz de ensinar a ensinar sem estabelecer relação direta com a vivência, a experiência e a prática pedagógica no dia-a-dia. Apontaram a necessidade que a universidade e centros de formação têm de reconfigurar ou ressignificar suas concepções de ensino, metodologias no processor formador de novos educadores dando destaque as temáticas que circundam as questões étnico-racial. Frente a sua percepção e problematização do contexto escolar no qual estava inserido percebe que sua atuação deveria se diferir de uma performance tecnicista, quando na verdade deveria valorizar a cultura, as subjetividades, a identidades e o contexto sociocultural de seus alunos.

São abordados também o papel dos educandos no processo de transformação da prática do professor em questão, porque fez com que este professor lidasse com sua própria história de vida e maneira como vinha reproduzindo o preconceito influenciado pelo mundo que o circundava, possibilitando a restruturação de sua própria identidade na ação de ser professor, fazendo do ato de educar uma ação política capaz de descontruir padrões através do reconhecimento do contexto que estava imerso.

Por fim, finalizam com um diálogo baseado em 4(quatro) verbos que sustentaram a ação do ser-professor durante a experiência: 1. Descobrir a importância do outro na formação da identidade docente e de se descobrir em sua profissão; 2. Conquistar está ligado ao olhar sobre o outro e o que professor pode fazer após este olhar; 3. Amar o fazer pedagógico; e 4. Conhecer desde as informações ao lugar e suas vivências.

¹Laíse Almeida Teles, graduanda do 8º semestre do curso de licenciatura Plena em Pedagogia na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia – FACED/UFBA.

 

RESENHA CRÍTICA: Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil

CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. 3. Ed. – São Paulo: Contexto, 2003.

Sobre a autora: Formada em Letras e Pedagogia, com especialização em Educação do Pré-escolar, e mestra em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, onde faz seu doutorado. Desenvolve pesquisas nas áreas de socialização de populações afro-descendentes. Atua em organização não-governamental colaborando com a educação de crianças e adolescentes da Zona Leste de São Paulo. Tem artigos publicados na imprensa nacional sobre diversos temas relacionados à educação.

Resenha Crítica

Laíse Almeida Teles¹

Inicialmente é necessário registrar que tal obra possui como tema central uma discussão em torno das relações étnicas e promoção da educação igualitária em nosso país, tendo como foco a investigação do negro no sistema de ensino. A escrita foi desenvolvida a partir de uma pesquisa, realizada pela autora com parceria com o Núcleo de Pesquisa e Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro – NEINB, da Universidade de São Paulo – USP.

O nome da obra “Do silêncio do lar ao silêncio escolar” surgiu a partir da problematização feita pela autora, ao observar a relação diária com crianças de 4 a 6 anos que apresentavam identidade negativa em relação ao seu grupo étnico, gerando questionamentos acerca do silêncio do professor, o silêncio da criança e o silêncio do contexto da família frente a situações discriminatórias. O livro se divide em 4 (quatro) grandes capítulos, intitulados: 1 – Educação Infantil – socialização: família, escola e sociedade; 2 – Relações étnicas no Brasil; 3 – Família, escola – socialização e as diferenças étnicas; e 4 – Família, escola e sociedade: a construção do silêncio e da submissão na socialização.

No capítulo 1 (um) a autora discute a socialização como etapa fundamental para o desenvolvimento humano e futuro sujeito social, onde a criança como novo membro da sociedade tende a interiorizar o mundo já posto, sendo a família responsável pela socialização primária e a escola em segundo plano possibilitando o contato com outras crianças da mesma idade e novas leituras do mundo. Apresenta a Constituição como lei que reconhece o direito a educação para todas as crianças menores de 7 (setes) anos, lei esta, que assegura igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, assim como, o direito ao respeito, aos valores, assim como, assegura o direito à liberdade de criação e acesso à cultura. Diante deste panorama, nos mostra a família e escola como responsáveis pela aprendizagem da vida social, porém com notórios conflitos entre ambas partes relacionados ao modo habitual da vida em grupo e ao modo como as creches recepcionam os alunos, como se as crianças houvessem nascido na escola. Mas é sabido que o indivíduo se identifica reconhecendo seu próprio corpo, localizado em um meio que o reconhece como ser humano e social, porém em nossa sociedade fora construída uma imagem negativa do sujeito negro e uma imagem positiva do sujeito branco, o que gerou inúmeros estereótipos e dificuldades no processo de socialização. Gerando também um grande conflito dicotômico entre diferença como desigualdade e o negro como desigual ou inferior, e junto a isso, o fortalecimento e propagação do racismo, preconceito e discriminação, os quais a autora traz à baila com apoio de referenciais teóricos para justificar a proliferação de estereótipos e dificuldades de socialização para as crianças estigmatizadas. O capítulo é finalizado sinalizando o compromisso da Educação Infantil deve manter em preparar o indivíduo para existência de diferenças étnicas.

O capítulo 2 (dois) que leva o título “Relações étnicas no Brasil”, a autora faz um panorama sobre o negro na sociedade brasileira. Fez um breve resumo sobre o respaldo da história do negro no Brasil, desde a libertação dos escravos negros ao patamar atual de conflitos étnicos, onde ainda se encontram segregados social e economicamente, mesmo ocupando mais de 40% da população brasileira, sendo que a maior parte destes ocupa a base da pirâmide social. Apresenta posição definição diferente ao que chamam de democracia racial, pois há uma hegemonia que mascara a realidade do racismo, a qual isenta diversas responsabilidades da sociedade para com o os negros: condições de moradia, acesso à educação, saúde e emprego, por exemplo. Afirma que o racismo a cada dia que passa vem aprofundando a desigualdades econômicas e deixando os negros expostos a uma dominação de classes. Já na perspectiva da educação, a escola é o local onde mais aflora o racismo de diversas formas, sendo que o alunado negro sofre mais reprovação e exclusão em relação ao alunado brancos. As situações de discriminações vividas na escola ocorrem frente aos olhos dos professores, os quais preferem omitir as situações vivenciadas pelos alunos negros e ignoram as relações étnicas no ambiente da escola e tais circunstâncias só reforçam a exclusão de crianças negras que já sofrem discriminação vinculadas aos livros didáticos, meios de comunicação e etc. Frente a este problema firma-se mais uma vez a necessidade de discussões com a temática étnica no campo da educação infantil, pois os professores precisam estar preparados para lidar com situações cotidianas, tais como o racismo, de forma adequada.

O terceiro capítulo “Família, Escola – Socialização e as diferenças étnicas” revela detalhes da pesquisa de campo que mostram claramente a presença do racismo e discriminação na escola e nas demais relações tidas pelos sujeitos do processo educativo em análise. Inicialmente é apresentada a relação da pesquisadora com a tema e também o corpo docente da escola onde aconteceu a pesquisa, que é composto por mais docentes brancas do que negras. O campo de pesquisa apresenta à pesquisadora um local harmonioso entre adultos e crianças e vice versa, as docentes mantem uma relação assistencialista e maternal com as crianças, os quais apontam um desenvolvimento diferenciado das crianças que não frequentam a educação infantil. Apesar de toda a harmonia do local, também é notado na escola tratamento diferenciado entre os educandos, o que pode ser associado a origem étnica de cada um.

As professoras não percebem diferenças étnicas entre as crianças, assim como, não percebem as influências do material dos livros didáticos na construção da identidade da criança. Já frente aos conflitos, situações de agressões ou relacionamento entre os alunos na escola, estes, são tratados apenas como um momento em que pode ser trabalhado o auto respeito, e as diferenças étnicas não são verbalizadas de maneira elabora pelas professoras, pois em suma, as educadoras não conseguem identificar em seus próprios atos ou nos dos alunos o racismo explícito, preferindo deixa-lo a parte. As rotulações, as agressões, as discriminações, os apelidos, os silêncios, os direitos negados, os deboches, a ridicularização, o desprezo, os xingamentos referentes a cor da pele que geram nas crianças negras o silêncio, a dor, o medo e impotência não são considerados problemas que devem ser discutidos e problematizados na escola, pois são rotulados como problemas de cunho pessoal. O silêncio da gestão escolar e das professoras é usado como mecanismo de exclusão do problema. A partir deste posicionamento a autora do seguimento ao texto apresentando diversas situações de discriminação e racismo vivenciados por ela durante a pesquisa, estas, embasadas não apenas em falas das professoras durante entrevistas, mas também em fatos presenciados por ela durante observação. As colocações nos mostram de forma clara como tem sido perverso o preconceito racial no âmbito escolar, onde as próprias professoras se mostram opressoras, quando deveriam estar preparadas para lidar com problemas étnicos. O que percebe-se através do ponto de vista da pesquisadora é que a escola tenta se isentar da responsabilidade para com as crianças ao culpar a família pelo racismo disseminado, pois para a escola o racismo emerge única e exclusivamente a partir das experiências vividas na família, mesmo a escola exercendo tratamento afetivo diferenciados entre crianças brancas e negras, ela não se percebe desigual e muito menos percebem a existência do preconceito e da discriminação dentro do espaço escolar de modo geral entre professor-aluno, aluno-aluno, funcionário-aluno e vice versa. Quando a pesquisa voltou-se para o ponto de vista dos familiares, as famílias brancas se expressaram afirmando existir o racismo intrínseco as pessoas, mas eles não sabiam explicar de forma concreta, tal como as famílias compostas por negros que viveram situações discriminatórias e consequências que os seguem até hoje. Na intercessão no relacionamento família-escola, foi notado também tratamento diferenciado em famílias brancas e negras, mesmo que de forma camuflada, posto que as famílias negras percebem o tratamento diferenciado e as brancas não. As famílias vêm que a socialização das crianças é realizada levando em conta as diversas etnias, mas as famílias vêm a escola como instituição responsável por instruir a compreensão dessa questão, devido ao seu dever de forma cidadãos, o que após análise é proposto aos  familiares que também ocupem o seu lugar de responsáveis por  discutir questões relacionadas a conflitos étnicos para que as crianças possam se ver como sujeitos de sua história e principalmente como sujeitos positivos de identidades positivas.

No último capítulo, “Família, escola e Sociedade:  A construção do silêncio e da submissão na socialização” a autora apontas os posicionamentos que significam o que ela vem a chamar de silêncio do lar a escola, relacionando-os as situações discriminatórias de racismos sofridas por crianças na pré-escola, equiparando-as aos mesmos conflitos étnicos vividos na sociedade. E neste panorama macro onde a escola está inserida a autora faz uma ressalva, nos mostrando que ainda não há um espaço de fato pertencente a criança negra que de fato legitime a sua inclusão, ou seja, uma preparação dos professores para a inclusão da criança negra exceda a sua presença física. Por fim, a autora conclui apontando a omissão da escola quanto ao reconhecimento positivo da criança negra no cotidiano, e propõe que os professores sejam mais críticos neste processo, objetivando uma inclusão positiva da criança negra no sistema educacional.

Esse livro é uma ótima referência para àqueles que pesquisam sobre conflitos étnicos, negro e a educação no Brasil, negro e a educação Infantil, entre outros.

¹Laíse Almeida Teles, graduanda do 8º semestre do curso de licenciatura Plena em Pedagogia na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia – FACED/UFBA.

Violência de gênero: até quando?

Laíse Almeida Teles¹

VIOLÊNCIA DE GÊNERO

No dia 9 de março de 2015 foi sancionada a Lei nº 13.104 que prever o feminicídio como condição qualificadora de crime de homicídio. Esta alteração foi feita no Art. 121 do Código Penal, sendo também mais uma vitória do Movimento Feminista que alavancou e impulsionou ainda mais a luta por espaços para as mulheres e que igualmente gerou inúmeras discussões sobre a abrangência desta lei.        

Estamos vivendo o cenário político mais conservador dos últimos tempos. Sabe-se da relevante luta do Movimento Feminista por espaço na legislatura atual, a exemplo de quando o Projeto de Lei oriundo da CPMI de Violência Contra a Mulher no Brasil, PL nº 292, foi encaminhado ao congresso tratando da inclusão do feminícidio como crime hediondo. Neste, constava que a provável inclusão dessa nova forma de homicídio teria como vítima a mulher por condição de gênero. Porém, o PL foi alterado por iniciativa da bancada evangélica que substituiu a expressão “gênero” por “sexo feminino”, objetivando afastar a possibilidades de a lei abranger as mulheres transexuais e travestis. Tal postura fortaleceu mais uma vez a cultura misógina brasileira e arrojou ainda mais os debates nas instâncias de defesa dos direitos do grupo LGBT.

Um caso polêmico que veio à tona no último dia 12 de abril foi o espancamento da travesti Verônica Bolina em instância estatal (2ª DP de Bom Retiro, São Paulo), logo após ser presa e acusada de agredir uma vizinha. Seu caso veio a público após a citada ter arrancado a orelha de um carcereiro com os dentes e depois de ter sido obrigada a permanecer em uma cela masculina. Alguns dias depois, foram divulgadas nas redes sociais fotos de Verônica com o rosto totalmente deformado, a cabeça raspada, os seus seios expostos e utilizando roupas masculinas rasgadas. O acontecimento gerou grande controvérsia entre a declaração feita pelos responsáveis pela delegacia que alegavam que as agressões foram feitas por detentos, e entre aqueles que defendem os direitos LGBT eque acreditam que Verônica foi vítima por condição de gênero, quando legitimado o uso da força física dos policiais além da exposição nas redes.

Neste caso especificamente, Verônica Bolina veio a sofrer Violência de Gênero: menosprezo, discriminação, espancamento e tortura.

O “caso Verônica” gerou grande discussão nos Movimentos Sociais que defendem os direitos humanos e no grupo LGBT, pois o ato ilícito cometido pela travesti não justifica as agressões sofridas dentro de uma instituição de competência Estatal. Assim, nada justifica o espancamento e as humilhações feitas pelos policiais com a travesti. Em função disso, foi lançada uma campanha na Internet denominada #SomosTodasVeronica levantando a bandeira contra a transfobia e a impunidade. Esta campanha teve grande repercussão nas redes sociais.

Por fim, fica a deixa mais uma vez o defrontamento da realidade com a fragilidade das leis, pois mesmo estando previsto na Constituição Federal em seu Art. 5º que todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, a lei não abranger a todos.

Laíse Almeida Teles, estudante do 8º semestre de Licenciatura Plena em Pedagogia – FACED/UFBA.

Esse artigo foi escrito para e publicado pelo Jornal Mulher em Movimento do Sindicato dos bancários da Bahia.